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Particularidade Perdida

  • Akasuma Lean Vicci em parceria com Heloisy Tínel e
  • 6 de set. de 2015
  • 4 min de leitura

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“[...] Acordei num determinado dia, tempo ou lugar. Ao qual fui submetido a um cenário de perfeitas ilusões e sonhos perdidos. Cenário esse pertencente aos indivíduos que passaram a vida tentando ser únicos e com suas próprias metas, determinando assim vossos futuros e destinos [...]”

Planeta Terra, século αω (alfômega). Acabo de despertar de um coma que durou 50 anos. Percebo minha retardação temporal e logo procuro descobrir quais mudanças esse planeta sofreu na minha ausência. Ao sair de minha cama, que nesse momento mais parece uma cápsula do tempo, vou em direção a porta de saída da sala onde estou localizado. E para o primeiro choque, percebo que não existem mais diversidades na paisagem. Antes o que eram ruas, árvores, nuvens e o sol à brilhar. Agora não passam de simples luzes (sem muita cor) e algumas sombras transitando em meio ao estreitos corredores. Tudo agora se resume a um imenso labirinto. Não mais existem continentes, países ou nações. Apenas um emaranhado de coisas iguais passando de um lado a outro.


Qual foi o agente causador de tal feito? Eis um mistério. A única última coisa que me lembro, antes de entrar no estado de coma foi a busca incansável das pessoas em tentar serem diferentes umas das outras. Buscar a individualidade por meio de vossos atos, características e sentimentos. Creio eu, que até nisso acabaram sendo iguais. Caso contrário, esse futuro não mais existiria.


Se bem que... não me lembro de ter feito algo diferente dos demais. Tenho um forte pressentimento que esse foi o motivo de ter estado tanto tempo inativo. Quando nos entregamos a buscar uma unidade da mesma forma que os outros, por consequência, deixamos de sermos nós mesmos. Logo nos igualamos à massa. Sinto que apenas o fato de ter saído da minha sala está causando uma transmutação nos átomos que me compõem. A cada ar respirado sinto que estou ficando opaco, sem textura ou voz. Estou tornando-me uma sombra! Sinto que esse labirinto está me sugando aos poucos. Estou perdendo o pouco de memória que ainda me resta...


As nossas escolhas tem a característica de mudar, nos fazer regredir ou simplesmente agredir nosso futuro. Isso! Foram as escolhas tomadas por cada um que moldaram, ou melhor, lapidaram o planeta e o transformaram nesse emaranhado de corredores escuros, confusos e cheios de sombras. Como não pude lembrar-me disso mais cedo? Certamente, devido ao fato de meu ser estar sumindo aos poucos. Então irei aproveitar o tempo que me resta e contar o porquê de ter entrado em coma e acordado nessa realidade.


Há exatos 50 anos a Terra estava vivendo o então chamado Capitalismo. Foi um marco na historia da humanidade. Marcado pelo consumo de mercadorias, pela produção crescente do capital e pela maior praga já adquirida pelos humanos - a depressão. Por que tais coisas me fizeram desistir da época que nasci? Bem... antes do Capitalismo tomar um grande rumo, as pessoas passavam maior parte de suas vidas buscando ser alguém que marcaria traria grandes mudanças ou que simplesmente ao ser ditos vossos nomes, atribuiriam grandes feitos e fizessem delas peças únicas da história.

Mas, quando o ditador das nações – o Capitalismo, fincou raízes no mundo. Extraiu esse desejo de legitima autenticidade das pessoas. Tornando-as iguais umas as outras. Passaram-se vários anos de igualdade e compras desenfreadas. Até que então eclode o sentimento de existencialismo universal. Questionamentos e mais questionamentos. Por que de seguirem tais padrões sem que ajam motivos de diferenciarem umas das outras? Apenas peças de um imenso tabuleiro de xadrez. Onde somos os peões e o Capitalismo marcha a cada jogada para dar o xeque-mate. As pessoas entram em desespero ao perceber que as vidas estão chegando ao fim e que até agora não descobriram o sentido de vir ao mundo. Ficou meio confuso né? Realmente, assim como minha vida foi.


Eu vivia em paz antes da chegada do Capitalismo. Tentava buscar minha particularidade no universo. Porém, quando ele enraizou, moldou todos de uma mesma forma. Comprar e adquirir eram os únicos planos de nossa vida. Quando burlávamos esse padrão, éramos descartados da sociedade. Não mais existíamos. Logo, viramos sombras em meio ao capital gasto. Foi então que a praga tomou conta de nossos corpos. A depressão assumiu o leme do nosso navio. Muitos tiraram suas próprias vidas devido a exclusão. Não podíamos ser diferentes de nosso modo. Se fosse pra algo de diferente, que todos seguissem um padrão, caso contrário apagado da história e submetido a ser uma marionete da praga social.


Por isso, que preferi ter uma morte temporal. Abri mão do meu tempo para apostar em um futuro de sonhos e conquistas que poderia alcançar caso deixasse de ser controlado socialmente. Pelo que pude perceber nada saiu conforme o esperado. Acordei num determinado dia, tempo ou lugar. Ao qual fui submetido a um cenário de perfeitas ilusões e sonhos perdidos. Cenário esse pertencente aos indivíduos que passaram a vida tentando ser únicos e com suas próprias metas, determinando assim vossos futuros e destinos. Sou um desses indivíduos. Tudo que fiz, é resultado do egoísmo. Quando não conseguimos dominar nossa própria maneira de ser a entregamos ao meio em que vivemos. Abandonamos nossa característica mais essencial, ser diferentes e únicos naquilo que somos. Quando fazemos isso, nos tornamos iguais. Ou seja, somos iguais até em sermos diferentes.


Entretanto, deixo minha esperança para a próxima geração. Através desses relatos deixo cravada na história da humanidade, o quão falho fomos. Peço encarecidamente que não repitam tais feitos. Sejam acima de tudo vocês mesmos. Não deixem determinado modelo social ditar quem devem ser.


Aqui jaz, o último ser de carne existente até hoje. Terra, século αω (alfômega). Deixo apenas meus sinceros arrependimentos pelo que fizemos de errado todo esse tempo. Agora me arremessarei nesse labirinto onde finalizo através do meu corpo os erros cometidos, reparando a busca errada da particularidade humana.


PS: Não mais sou carne, agora passo a ser sombra que vaga sem rumo. Sou uma marionete em meio aos outras, apenas procurando um cordão para ser guiado.

 
 
 

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© 2015 por Maurício Rosendo Leandro dos Santos.

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