As duas faces da Realeza estigmatizada
- Akasuma Lean Vicci
- 11 de set. de 2015
- 5 min de leitura

O que levou a sociedade em si a tratar uma mulher por mais de 2000 anos como prostituta e pecadora eterna? Segredos esses que ainda são mais que um mistério para todos. Seu nome chega a soar como um insulto àqueles que não a veem de outra forma. Sim, estou falando nada mais nada menos que dela – Maria Madalena. De filha de nobres à simples escória social. Vítima dos padrões patriarcais que rondam o mundo desde o seu nascimento.
Século VI, ano 591, Gregório declara Maria Madalena como pecadora penitente. Nada que venha a nos surpreender. Um homem declara uma mulher como símbolo do pecado e do arrependimento. Uma história que volta a repetir-se. Tais feitos serviriam para deixar claro quais os limites femininos em uma sociedade comandada por homens. Toda a verdadeira história dessa figura estigmatizada fora ocultada. Tudo o que a tratasse de forma imponente foi banido do conjunto de escrituras sagradas. Porque tamanho ódio e ao mesmo tempo medo conduziram até recentemente as maneiras de proferirem vosso trajeto de vida? Simples! Não há motivos para enxergar uma mulher fora dos padrões sexuais e que não a submeta aos caprichos e domínios masculinos.
No centro de Nicéia e Constantinopla eis que apresentam-se os autores de tal ato. Os inquisidores declaram Madalena culpada de ser uma mulher apaixonada e entregar-se inteiramente a tudo que fazia. Contudo, sua sentença não resumia-se apenas a isso. O caráter de Maria passa a ser colocado na balança. Não podia-se confiar tamanha responsabilidade as mãos de uma mulher. Então, dirigindo-se ao tribunal, o Juiz instiga a todos proferindo o seguinte questionamento: “Será que podemos confiar numa mulher?”. Resultado foi contabilizado como unânime: “A Réu não mais faz parte da nobreza dessa cidade, de agora em diante, serás conhecida como Madalena a Prostituta!”.
O único a depor em defesa de Madalena foi Apócrifo. Não apenas um homem qualquer, mas aquele que enfrentara os quatro lordes Reis dos Evangeliuns, superiores e detentores da legítima e autêntica identidade da antiga quase monarca. As cartas e documentos produzidos por Apócrifo foram considerados um disparate aos cânones patriarcais vigentes, ecoando até a atualidade. Muitos foram os movimentos para esconder a verdade por trás de Maria. Como consequência do julgamento, todos aqueles que fossem de encontro à decisão dos quatro Grandes seriam, juntamente com seus companheiros, perseguidos e torturados. Com isso, as entrelinhas quem contam as reais ações da então acusada, foram seladas e guardadas definitivamente com a morte dos presentes no dia da sentença.
Ao soar do toque do martelo de Magno sobre a mesa do tribunal, surgem por entre os olhos da Réu a personificação interna e desejos mais profundos, apresentam-se a todos os Sete Demônios. Uma mulher com olhar marcante e doce, agora não passa de um portal que proporciona acesso aos problemas que nenhum homem – enquanto humano poderia lidar. De acusada à juíza. Agora todos se sentem ameaçados devido a sua presença. Da sua cadeira de ouro e brilhantes fostes arremessada ao chão. Jogada por entre os pés dos seus acusadores como resultado do brilho negro no seu olhar. Um por um dos demônios passam a corromper sua alma. Como pedras jogadas na sua carne, os estigmas dos homens em comunhão com seus desejos reprimidos a assolam minuto a minuto.
Em luta incessante com os dominadores do seu corpo a cada grito de agonia, aos poucos ela retoma o controle de sua consciência. Eis que aparece em seu auxilio o seu guardião e amado. Como um sopro leve e um sinal de firmeza, crava em meio aos transtornos e agitações, a seguinte ordem: “Aquele que nunca se entregou de corpo e alma aos desejos e prazeres humanos, que se apresente puro e livre de tal acusação!”. E como uma simples confirmação através da troca de olhares, Madalena é levada para longe de seus inquisidores.
Ao portão principal do Castelo de Magdala inclina-se em sinal de reverência a mesma que recebe por batismo seu nome. A mulher que outrora é condenada a eternidade como pecadora e símbolo dos devaneios femininos despede-se de sua morada real. Abandona então suas origens e agora assume para si o peso de sua sentença. O fato de Maria ter concernido com pena imposta sobre seus ombros não a tornou fraca e domável. Foi, pelo contrário, a partir do momento de aceitar de peito aberto a maneira como seria vista desde então que a consagrou como sinal de temor por entre os homens. Todos passaram a temer de alguma forma como ela iria revidar. Se levarmos em conta que as mulheres são seres mais que imprevisíveis, Madalena até hoje esconde do mundo quem realmente é. Não por medo, mas por achar que não se adequaria aos padrões sociais predominantes.
Guerreira e de caráter decisivo. Esperou calada. Mas, não em atos e sim, em palavras. Todo e qualquer movimento realizado por ela iria trazer sobre si a inveja e olhares dos então seguidores do Rei. Passou de posição de servida à serva de superiores. Chegando ao ponto de banhar os pés daquele que admirava com suas lágrimas. Lavou então as impurezas do homem revelando o Divino. Desemprenhou o papel de anunciadora da Paixão. Mostrou o real sentido do que é ter fé e apostar no retorno das coisas que ama. Madalena resumiu em seus atos a verdadeira essência fixada em seu coração desde o seu nascimento.
Contudo, suas escolhas geraram grandes consequências. Como a vida é marcada por passado, presente e um possível futuro. Maria carregou sobre si o peso de coluna mestra. Servindo de sustento para a transição da fase feminina de porta dos males humanos à redenção eterna. Ela seria o centro da criação feminil, a ponte entre o lado negro da mulher e a parte redentora por meio da pureza e da santidade (E.M.A). Mesmo exercendo tal grandioso papel, ao ter aceitado a condenação, seria retratada por entre os séculos como indigna e impura, uma entre as várias pecadoras.
Uma sociedade que estigmatizou uma mulher apenas por ela ser quem foi. Dos dias de glória a escuridão infinita. Do resplendor de seu nascimento à uma morte ocultada.
Toda história de Maria Madalena se resume a um único fragmento de seu corpo – o Crânio. Essa foi a única parte de seu corpo que perdurou. Várias foram as histórias contadas sobre sua passagem por essa vida terrena. Diferentes versões de um único acontecimento. Agora como forma de redimir os erros cometidos pelos homens do passado, quem irá narrar os verdadeiros fatos será a própria Madalena. Os mortos também contam histórias. A reconstrução da possível face de Maria foi organizada por um brasileiro. Agora poderemos descobrir o verdadeiro enredo por trás do olhar dessa Rainha histórica. Mulher que serviu como intermédio das outras. Marcada por inúmeras batalhas. Apenas resta-nos admirar seus olhos doces e feições gentis. Forma essa de pedir perdão por todo o sofrimento causado a essa Majestade...

Reconstrução Facial de Maria Madalena, Cícero Moraes.
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