Virgo Madre: A Matéria Violada
- Akasuma Lean Vicci
- 3 de jun. de 2018
- 7 min de leitura

[...] Uma mulher retratada absolutamente como o modelo de mulher perfeita que a bíblia prega, submissa às vontades do homem. Maria acatou seu aspecto de instrumento de um Deus (homem), foi dada em casamento a outro homem que muito provável não era o que ela pretendia tomar como esposo, para gerar um filho homem e mesmo assim é lembrada pela história como serva fiel do senhor e modelo de mãe. CARA, Maria praticamente não teve escolha, era isso ou a morte [...]
Virgindade, mulher, simplicidade, criança, profecia, mãe, escolhida, exemplo, amor, estigma, violação, protetora, conselheira e intercessora. O que esses nomes têm em comum? Significados bastante fortes e de grande impacto reunidos em um nome: Maria, ou como é popularmente conhecida, Maria de Nazaré.
Quem nunca ouviu falar sobre a Virgem Maria, “Mãe” de Deus? Sobre a Conceição? A Graça? A Fátima? A Aparecida? As várias Marias? Maria não é apenas uma mulher considerada santa, ela é um grande marco para seu período histórico. Porém sua humanidade é um tanto quanto apagada, retratada apenas pelos elementos da fé cristã, mas como seria Maria vista de outra perspectiva? Uma ótica além das contas do terço e, por cada Ave Maria rezada pelos devotos(as) espalhados(as) pelo mundo?
Nesse texto iremos retratar a Maria mulher, a Maria simples e, acima de tudo, a Maria que quebra os paradigmas e o conservadorismo social de sua época.
Porém para falarmos de Maria de Nazaré, precisamos fazer uma rememoração sobre a personagem de Eva, tanto estigmatizada e a “principal” responsável pelo tão temido pecado original.
Muito se sabe sobre alguns dos principais relatos bíblicos e as histórias que circundam a crença cristã, um deles é o tão “aclamado” pecado original. Como já se sabe, no livro de Gênesis, primeiro livro do conjunto de 5 denominados pentateucos, descreve todo o processo de criação universal pelas mãos divinas – criacionismo. Dentro das grandes criações de Deus, está o homem, e logo após, para servir de companheira e suprimir sua solidão, Deus criou a mulher – Eva.
Dentro do Paraíso, tanto o homem quanto a mulher poderiam andar livremente e fazer o que desejassem, pois foram criados para governar. Porém o poder maior cabia ao homem. A única coisa que não poderia de forma alguma fazer era comer do fruto da árvore do conhecimento. Conhecimento esse, como sendo um dos principais responsáveis pelo exílio da estrela da manhã – Lúcifer. Ao ser tentada pela serpente, Eva come o fruto e oferece-o ao seu companheiro. Após tal ato de quebra de confiança, ambos foram expulsos do Paraíso e seus descendentes estariam destinados ao pecado original.
A mulher, devido ao ato de Eva em buscar entender o que levaria Deus a proibi-los de ter o conhecimento, foi estigmatizada como o principal ser responsável pela desgraça da humanidade. Não é desconhecido aos nossos ouvidos tal discurso.
Ao comer do fruto do saber o homem, no caso a mulher, transladaria o limite imposto a sua condição de servo. Obtendo o conhecimento que lhe foi proibido, o servo saberia que nunca iria poder ocupar outra posição além dessa. Deus cria o homem e a mulher para governarem sobre a terra, mas ao mesmo tempo em que são governantes, eles são governados. Escravos em sua própria liberdade.
Alguns séculos mais tarde, surge uma outra mulher, que seria a responsável por proporcionar uma visão diferente a todas as mulheres. Maria de Nazaré, ou Ave Maria. De Eva a Ave. Do pecado original a salvação eterna. Deus fornece uma segunda chance a mulher para que ela possa se redimir de todo o mal causado a humanidade. Porém, sabemos que esse conto bíblico, e um dos principais dogmas cristãos, é bem mais fundo do que se pensa.
Uma mulher nascida em Nazaré, Israel, filha de Ana e Joaquim. Permanecendo na Galileia entre o final do século I a.C e inicio do século I d.C. Maria não era diferente de nenhuma mulher de seu tempo, mesmo considerada santa e imaculada, sofreu o desgaste do tempo devido a sua natureza humana e envelheceu pelas inclemências dos anos. Sua morte ainda permanece um mistério para a história, há aqueles que acreditam na tese de que Maria foi assunta aos céus em carne e osso devido as graças alcançadas pela devoção a deus, mas não é dessa história que queremos retratar aqui, afinal de dogmatismo já estamos um tanto quanto saturados.
Exatamente o que leram no parágrafo anterior, Maria acima de tudo tinha natureza humana, pois humana ela era. De acordo com uma passagem contida no livro “O Código Da Vinci” de Dan Brown, o simbologista Robert Langdon questiona Sophie: “Por que sempre tem que ser o humano ou o divino? Talvez o humano, seja divino!”. Esse é o questionamento que melhor se encaixa para esse nosso momento. Por que para Maria ser uma mulher especial e santa ela tenha que ter necessariamente um vinculo com o chamado Deus supremo? O que muitos não discutem é o fator chave para tudo isso, Maria não teve muita escolha nisso tudo. Exatamente isso! Não podemos afirmar que todos os acontecimentos da vida de Maria foram escolhas feitas por ela, pois sua liberdade foi um tanto quanto restringida.
Enquanto ainda era um bebê, os pais de Maria a ofertaram para ser serva de Deus durante um ritual religioso, pois queriam agradecer as bênçãos recebidas. Mais tarde, o anjo [Gabriel] veio e anunciou a Maria que ela seria mãe do filho de Deus. Aquele velho ditado “venho cobrar o que a mim foi dado”. Pode ser um pouco pesado essa afirmação feita anteriormente, mas Maria não teve como recusar tal oferta. Vejamos mais abaixo o porquê.
Maria agora é instrumento para servir a um propósito, e como de tradição, aos propósitos de um “homem” (que antes de qualquer coisa não é seu marido). Maria estava sendo intimada a gerar um filho de outro homem, mas estando prometida em casamento a José, o carpinteiro. Chega a ser meio agressiva essa comparação não é mesmo? Mas estamos analisando as circunstâncias do momento. Será que se ela recusasse o pedido, as coisas teriam sido mais tranquilas? No contexto histórico ao qual Maria estava exposta, uma mulher que praticasse adultério seria apedrejada até a morte em praça pública. Agora eu lhes pergunto, se todos soubessem que Maria havia recusado o pedido de Deus, será mesmo que ela não teria sido apedrejada até a morte também? De um lado o julgo religioso, do outro o julgo da moral. Maria deveria escolher a opção que menos lhe causaria mal. E foi o que ela fez tecnicamente, ou pelo menos, o que podemos acreditar que ela fez.
A falta de escolha e domínio sobre seu corpo em relação ao que proceder quanto a proposta de Deus e os seus planos para com Maria, ferem alguns dos principais dogmas do cristianismo: adultério, “livre-arbítrio” e castidade. Mas essas concessões não são um problema de acordo com as obras divinas, já que Deus escreve certo por linhas tortas.
Isso apenas evidencia algo mais do que obvio para que a religião pudesse se propagar: Se uma determinada coisa não acontecer, outra não poderia ser explicada e defendida. Se o pecado de Eva não tivesse ocorrido, não teriam como consolidar o papel de Maria. Se a mulher não fosse vista como o demônio por tantos séculos, ela não poderia ser transformada em salvadora. O tão famoso “os fins justificam os meios”.
Uma mulher retratada absolutamente como o modelo de mulher perfeita que a bíblia prega, submissa às vontades do homem. Maria acatou seu aspecto de instrumento de um Deus (homem), foi dada em casamento a outro homem que muito provável não era o que ela pretendia tomar como esposo (porém, para usa época isso não era um problema), para gerar um filho homem e mesmo assim é lembrada pela história como serva fiel do senhor e modelo de mãe. Alô galere, Maria praticamente não teve escolha, era isso ou a morte. Antes de levantar a bandeira de que Deus operou grandes obras por meio de Maria, perceba que ele “destruiu” sua vida antes de “presenteá-la” como o prometido.
Porém, com o passar dos anos Maria revelou que ela era de fato. Um grande modelo de luta feminina. Há quem discorde, há quem concorde. Maria foi responsável pelo primeiro milagre de Cristo, ela foi a que intercedeu para que ele transformasse a água em vinho. Sem ela, esse milagre não teria ocorrido.
“Eu sou serva do senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1,38)”. Maria acolheu o pedido do “senhor” e deu à luz ao seu filho. Maria conseguiu se libertar de um dilema de morte, mas criou um dilema interno. Maria foi violada materialmente e não pode dizer um não. Quantas mulheres nos dias de hoje dirigem-se aos homens e dizem não para um determinado assunto e mesmo assim ainda são forçadas a fazê-lo? Com Marai não foi diferente. Mas, com todo o seu protagonismo e papel, Maria lutou para mudar a forma como era vista e estigmatizada pelos que estavam ao seu entorno. Maria decidiu quando seria o primeiro milagre de Cristo. Maria não saiu do lado de seu filho nem nos momentos mais difíceis. Ficou ao lado dele enquanto estava sendo torturado e crucificado. Assistiu sua morte lenta pregado na cruz. Pegou o seu corpo morto e embalou em seus braços. Assistiu o seu retorno e partida definitiva. Maria mesmo violada não deixou de lutar silenciosamente por uma vida nova.
Maria foi tão guerreira, que após cumprir seu papel de mãe do salvador, viveu sozinha até o momento de sua morte. Não casou novamente, nem teve mais filhos. Maria não morreu sozinha, Maria morreu eu sua própria companhia. Algo que ela nunca pode escolher enquanto estava viva, pois sempre tinha de servir a algum propósito. A união com o seu eu foi a maior vitória conquistada por ela. Pois escolher ficar consigo mesmo é o maior de todos os desafios que alguém pode enfrentar.
Dedico esse texto a todas as “Marias” que são constantemente violadas em seus lares, seus corpos, em seus mundos e mesmo assim, lutam contra aquilo que lhes foi imposto. Em cada uma de vocês existe uma Maria. Porém lembrem-se, não sejam violadas em silêncio. Peçam ajuda. Assim como Maria foi pedir auxilio a sua prima Isabel.
Violação ao humano chamado mulher é crime, DENUNCIE.
Comentários