O Jardim das Almas
- Akasuma Lean Vicci
- 14 de jan. de 2017
- 9 min de leitura

A morte para muitos marca o fim de um ciclo ao qual tivemos contato durante a vida. Porém outros acreditam que o estado de morte é apenas o inicio de uma nova jornada além-vida-terrena. Como explicar de verdade, o que nos ocorre após o óbito?
Chega a ser quase impossível explicar apenas com o que conhecemos atualmente. Esse assunto ainda é um artigo de muitas pautas mundo afora. A religião trata-se de como o espirito irá se portar depois da morte corporal, já a ciência trata-se de como o organismo humano se comporta após o fim do ciclo vital. Como de fato poderemos obter uma resposta que se encaixa de maneira profundo e completa para suprimir tais questionamentos que nos acometem a cada minuto de nossas vidas?
A história que estarão lendo a seguir, nada mais é, do que a tese do PHD em Ciência Cognitiva de Norah Azazel Teeth (mais conhecida pelos amigos como Nozeth) doutora em Psiquiatria, mestra em Ciências Sociais, pós-graduação em Antropologia e graduada em Medicina. O título de seu artigo científico é: Limbo – O porvir da mente, do espirito e do átomo. Em 20 anos de estudos Norah buscou informações e pesquisou em todas as fontes possíveis a seu alcance o que acontece com o ser humano após a sua morte física, ela uniu todo o conteúdo para então montar seu artigo cientifico e defende-lo perante a bancada examinadora de seu curso.
Era um sábado à noite, mais precisamente 21h00min em ponto, Nozeth estava terminando os preparativos de seu seminário quando foi surpreendida por um amigo que não via a muito tempo.
- Sorak! Não sabia que iria te encontrar novamente depois de todo esse tempo. Falou Norah.
Sorak conheceu Nozeth quando ela viajou para a África em um dos seus estudos sobre como as religiões de matriz africana lidam com o processo de morte.
- E você acha mesmo que eu ia perder de ver seu trabalho finalizado? Que amigo eu seria se fizesse isso com você? Respondeu ele.
Emocionada com o reencontro, ela abraçou o amigo e lágrimas começaram a escorrer de seu rosto caindo sobre o ombro de Sorak.
Vamos, temos de arrumar essa maquiagem novamente. Não posso deixar você subir lá como se tivesse acabado de mergulhar o rosto numa possa de lama. Falou o amigo de uma maneira muito carinhosa e confiante com todo o desempenho de sua amiga.
Tudo pronto! Nos vemos depois que tudo isso acabar. Me deseje sorte meu velho amigo. Disse Norah.
Como costumava te dizer, a sorte é você quem faz minha cara. Não confie nesses caprichos que nós homens criamos para nos sentirmos especiais. Você vai conseguir acredite. Retrucou Sorak.
Norah seguiu pelo longo corredor com paredes brancas e uma iluminação quase que de cegar. Entrou pela porta do auditório, onde todos estavam à sua espera, subiu no palco e ao encostar no púlpito olhou fixamente a bancada examinador e cumprimentou todos os que se faziam presentes.
- Boa noite a todxs, meu nome é Norah Azazel Teeth e venho aqui hoje apresentar meu trabalho de conclusão que intitulo de Limbo – O porvir da mente, do espirito e do átomo. Foram 20 longos anos para chegar até esse projeto final que tenho o maior orgulho de lhes apresentar nesse maravilhoso local.
Norah estava nada mais, nada menos do que no auditório da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Se tudo desse exatamente como Norah previu, no dia seguinte seu nome estamparia as plataformas virtuais de maior renome dentro do campo das Ciências Humanas.
- Bem como ponto inicial do meu seminário quero levantar três questionamentos para todos aqui presentes. Primeiro: O que realmente sabemos sobre a morte? Algo que realmente nunca ficou claro nos faz a cada dia questionarmos sobre quais preceitos devemos acreditar. Segundo: Será mesmo que a morte é o fim de uma pessoa? Essa pergunta mexeu muito comigo durante minhas pesquisas, sempre fiquei intrigada com as resposta que eu encontrava na minha busca. E por fim, Terceiro: Será que a morte não é mais uma das várias escotomas que existem? Os olhos vêm aquilo que a mente deseja.
A plateia ficou em um silêncio profundo pois os três questionamentos levantados por Norah para nortearem sua pesquisa foram bastante fortes para muitos que passaram a vida acreditando apenas em uma vertente do que era de fato a morte. Norah ligou os slides e a primeira imagem chocou ainda mais a todos.
- O que podemos ver nessa imagem gera bastante discordância sobre aqueles que estudam a morte. O que é isso?
Ninguém se atreveu a falar o que estava na imagem.
- Isso meus caros, é o inferno cristão. Um dos vários locais que se acredita ir depois da morte. Mas não se preocupem, isso é só se não forem boas pessoas. (Disse ela com um sorriso sarcástico no rosto)
- E essa outra imagem, o que seria?
Todos começaram a rir dela
- Isso é um mito contado pelos mais velhos e aqueles que cultuam religiões pagãs! Disse um dos participantes
- No que difere a história sobre o ‘inferno’ grego e o inferno cristão? Até onde sei tudo que sabemos sobre o passado é um mito. Não venha se sentir superior devido o fato de você acreditar em uma religião que é baseada em um livro escrito pelas mãos humanas. Você só o chama de mito porque diferente do inferno cristão que apenas os maus vão, o inferno grego não tem essa separação. Todos nós iremos parar lá no fim das contas.
A plateia novamente ficou em silêncio.
- E por fim, a terceira e ultima imagem, temos aqui a morte segundo alguns pesquisadores e pessoas da nossa sociedade.
Norah mostrou a imagem de um corpo em decomposição. Depois disso muitos ficaram perplexados com o que lhes foi exposto.
- Meus amigos, isso não é nem um porcento do que de fato entendemos sobre a morte. Precisaríamos de muitas vidas para chegar à pelo menos 50% do que de fato a morte representa. Porém e se eu lhes apresentar um meio termo sobre tudo aquilo que sabemos sobre a morte até hoje? Isso mesmo o limbo que me refiro no título do meu projeto é a incerteza do que o futuro nos aguarda. E como para muitos o único futuro que nos é esperado é a morte, seriam uma loucura se eu dissesse que nem isso mais pode nos ser assegurado.
As palavras de Norah definitivamente fez com que a plateia suasse frio e ficasse em estado de choque.
- Pois é meus caros, depois de anos de pesquisa venho até aqui apresentar a vocês que mesmo depois de mortos, ainda permaneceremos mais vivos do que nunca estivemos. A morte faz isso com as pessoas. Ela acima de tudo, trás todos nós do estado de morte para logo em seguida um estado de vida em paralelo ao que ocorreu conosco. Pode estar ficando complicado o entendimento para alguns, mas eis aqui outra coisa que irá clarear as mentes aqui presente. O subtema do meu TCC: O jardim das almas .É para esse local que vamos depois de mortos. Lugar esse que faz com que todos permaneçam vivos. E a chave que nos dar acesso a esse jardim é a mente humana e sua capacidade de armazenar memórias.
A bancada examinadora conseguiu enxergar onde Norah pretendia chegar. Todos ficaram ainda mais ansiosos pelo desfecho das pesquisas e até onde Norah pretendia ainda chegar com tudo aquilo.
- A ciência cognitiva estuda as atividades da mente e do cérebro, cérebro esse que comanda todo o corpo humano, e por consequência nos fornece a capacidade de manter-nos vivos. Quando o cérebro para, todo o corpo morre aos poucos. Tudo vai parando com o passar do tempo. Mas a vida ela é multiface. Temos a vida antes de nossa vida, quando ainda somos DNA armazenado no zigoto que é formado depois do ato sexual, temos a vida antes mesmo do zigoto, a vida enquanto estamos vivos, isso depois de formados e nascidos. E temos as outras duas faces dela. A primeira é a morte, que mesmo significando o fim de um ciclo é o inicio de outro, e temos aquele com o título meio clichê a vida depois de mortos. Que por mais que seja maçante falar dele é o que mais nos interessa agora.
Dois dos examinadores questionaram Norah a respeito do tema. Pois se de fato é algo maçante e que todos estão cansados de ouvir, o que ela poderia trazer de novo para esse cenário e o que de fato faria com que eles aprovassem seu trabalho. Norah foi direta ao assunto:
- Primeiro, a maioria das pessoas na sociedade apenas aceitam o que lhes está sendo passado. Sem questionamentos, curiosidade ou ceticismo da parte deles. Apenas passivos a informações que podem ou não ser verídicas. Segundo, o que torna esse assunto algo maçante não é o quanto ele se repete, mas sim o tema ser a morte. Uma pauta que muitos temem e que poucos ousam falar. A morte é algo inevitável e por que adiamos o contato com ela? O medo é o causador de tudo nesse nosso mundo. A partir do momento que saímos de nossa zona de conforte tudo se é possível.
A examinadora mais velha respondeu Norah:
- Para uma pessoa bastante inteligente, a paciência não é algo que está em seu DNA. Já que a perde com facilidade.
Todos riram de Norah. O clima ficou um pouco pesado agora entre Norah e a bancada examinadora.
Sorak estava olhando de maneira confiante para Norah e ela viu que apenas tentaram intimidá-la e fazer com que perdesse a compostura. Norah levantou ainda mais a cabeça e continuou.
- Voltando ao ponto que parei, O jardim das almas é um espaço onde todas as nossas memórias e vivências que tivemos com entes queridos ainda enquanto vivos no mesmo plano que a gente são depositadas. Depois que nossos entes partem deste plano, essas memórias os trazem de volta a vida e fazem com que possamos prosseguir nossas vidas muitas vezes sem que doenças como a depressão nos acometam, pois tudo aquilo que nos fez feliz ao lado da pessoa agora está ainda mais vivo em nossas cabeças. Se todo o nosso corpo está bem quando nossa cabeça está bem, podemos viver mais felizes mesmo sem que aquelas pessoas amadas estejam ao nosso lado fisicamente. As lembranças, memórias e demais cenas gravadas na gente sobre aquela pessoa faz com que ela nunca venha a morrer para nós. Vamos agora colocar em prática algumas coisinhas que aprendi. Pensem em alguma pessoa que já se foi, imaginem aquele olhar de conforto que só aquela pessoa sabia oferecer, aquele sorriso maravilhoso que alegrava até a “alma” e por fim quero que fechem os olhos e mentalizem essa pessoa.
Todos acompanharam o que Norah pediu que fizessem.
- Agora quero que todos levantem a cabeça e abram os olhos bem devagar e depois olhem para o palco onde estou.
A medida que iam fazendo isso, todos entrarem em um harmonioso choro de emoção e alegria.
- Meus queridos, eu chamo isso de o ritual de relembrar e viver novamente a pessoa. Quando fazemos isso aqueles que se foram podem novamente retornar e nos fazer companhia por alguns minutos e assim sempre que repetimos isso essa pessoa pode ser eternizada em nossas vidas. O que morre é apenas o corpo físico, mas o mais importante de todos ainda fica vivo, as lembranças daqueles que amamos. Quanto mais treinamos nossa mente, mais temos acesso a lembranças que a muito estavam engavetadas.
Depois de prosseguir suas explicações sobre como a mente está ligada com os acontecimentos de nossa vida, Norah ia arrancando mais e mais um sorriso de felicidade das pessoas que estavam ali presentes. Sorak não podia deixar de demonstrar o quanto estava orgulhoso de sua amiga. Antes de Norah terminar sua apresentação ela relatou um ensinamento que aprendeu em uma de suas viagens:
- Em uma das minhas últimas viagens para juntar material para essa pesquisa, tive a honra de conhecer Maluk, o bravo guerreiro. Ele foi acometido com uma doença que não possuía cura. Mas no seu leito de morte ele me disse: “Espero ser levantado pelo grande deus guerreiro e assim poderei novamente correr pelos campos que me criei e me transformaram nesse homem que hoje sou”. Com isso eu pude ver que a morte não é essa temida vilã que todos se negam a falar, mas é apenas o momento onde mais estamos vulneráveis e fracos. Isso faz com que tenhamos medo. Saber que alguém mundo afora está pensando em você e que de alguma forma não vai lhe esquecer faz com que a morte nos der forças. Pois mesmo mortos estaremos vivos para aqueles que nos amam. Obrigado a todos aqui hoje presentes.
Sorak se levantou e aplaudiu a amiga de pé, depois disso todos ali presentes fizeram o mesmo. Incluindo a bancada examinadora. Foram 3 horas de apresentação que valeram muito a pena.
Voltando para a sala que havia encontrado seu amigo, Norah o abraçou tão forte e novamente voltou a chorar.
- Sorak, obrigado por tudo, Isso só foi possível graças a você.
- Não duvide de sua capacidade. Foi você que fez isso dar certo. Eu que devo te agradecer por nunca ter se esquecido de mim minha amiga. Foi uma honra ter lhe conhecido e ter feito parte de sua vida. Você sempre será especial e amada por mim.
Dito isso Sorak abraçou novamente Norah, seu abraço foi tão reconfortante que sua amiga fechou os olhos e apenas curtiu o momento. Depois que Norah abriu os olhos, Sorak não estava mais ali.
Norah pegou sua bolsa, sai da sala e ao fechar a porta disse.
- Adeus meu amigo, nunca vou lhe esquecer. Minha homenagem para você foi acolhida por todos essa noite.
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