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O julgamento de um deus

  • Akasuma Lean Vicci
  • 29 de jan. de 2019
  • 6 min de leitura

Todos estavam caminhando em procissão rumo ao tribunal. Pois foi chegado o dia do julgamento que tem como principal foco a condenação ou libertação de um personagem que leva multidões por onde passa.


O clima é de extrema tensão. Pois a responsabilidade sobre tal condenação acarretaria em coisas para além de uma simples pena – a construção de todo um ideal envolto a figura desse ser.


A medida que o tribunal ia enchendo, os principais nomes para moverem tal moção iam também se juntando ao público:


- Todos de pé para recebermos o júri convidado – entram as sete pessoas. Quatro homens e três mulheres. Ainda de pé, recebamos os advogados de defesa e acusação. – após a entrada do júri - Todos sentados até que seja solicitado o contrário – uma pausa de alguns minutos. Retorna a pessoa encarregada pelas normas de conduta:


- Agora toda a assembleia faça-se em pé para recebermos a Vossa Excelência. Aquele que conduzirá todo o julgamento e proferirá a pena de acordo com a sinalização do júri. – após a entrada do juiz – Podem sentar agora. Que os acusados possam adentrar no tribunal.


Dois homens entram no tribunal e dar-se início ao processo...


Juiz: Com a palavra inicial, a acusação...


Acusação: Senhoras e Senhores do Júri e da Assembleia. Trago diante vós evidências e provas de que este homem – apontando para a direita do tribunal – trouxe desgraças, vergonhas e falsas palavras para nossa terra. Ensinando e pregando para multidões afirmando ser algo que não é. O discurso enganoso desse patife, perdoem-me por tais palavras, é um atentado a imagem e ao nome de nosso grande líder e chefe de Estado. Como primeira testemunha, chamo o próprio acusado para apresentar diante de vós todos a sua versão deturpada dos fatos. E logo após, como segunda testemunha, trago o responsável pela sua prisão...


Caminhando em direção ao púlpito esquerdo do tribunal o acusado apresenta-se a todos...


Acusação: Gostaria, pois, que vossa pessoa se apresentasse e dissesse a todos o que afirma ser.


Acusado: Eu nunca afirmei nada, mas tu em contrapartida, o dizes!


Acusação: Não foi vós que mentiu para muitos oferecendo falsos dons e exercendo bruxaria como se fosse o instrumento do sagrado?


Acusado: Tu o dizes que fiz!


Acusação: Essa é a terceira vez que passa pelo julgo das leis prescritas e das leis faladas, fontes afirmam que andas entre os marginais e os denegridos – a escória da sociedade. Como pode afirmar ser nobre e não estar entre os seus? Que tipo de falso superior é você?


O acusado fica em silencio e não responde as duas perguntas feitas...


Juiz: O senhor pode responder ou ficar em silêncio, mas só mediante vossa palavra é que a defesa por agir em sua intercessão. – mas o silencia predomina.


Acusação: Já que o acusado se recusa a se defender por si mesmo, encerro minhas questões e a testemunha agora pertence a defesa...


Senta-se a acusação e em direção a testemunha dirige-se a defesa...


Defesa: Primeiramente gostaria de saudar a todos no tribunal e principalmente a Vossa Excelência. – inclinando-se na direção da testemunha começa – Caro senhor, é verdade que agiu contra as autoridades, os sacerdotes e os nobres vendendo discursos que contradizem todas as crenças éticas e morais de nossa sociedade?


Acusado: Eles o dizem!


Defesa: Em algum momento deixou de pregar o amor e a fraternidade de vosso altíssimo para com seus companheiros e iguais?


Acusado: Eles o dizem!


Defesa: Por fim, é verdade que proferiu insultos a moral do altíssimo e a todos os seus ensinamentos afirmando estarem errados e ultrapassados?


Acusado: Eles o dizem!


Defesa: Termino aqui meus apontamentos Excelência.


A defesa retorna a sua mesa e logo após a testemunha também retorna ao seu assento...


Juiz: Que entre a segunda testemunha...


A porta do tribunal se abre e entra um soldado a passos rápidos em direção ao juiz. Chegando perto dele, fala algo em voz baixa e novamente retorno por onde veio a passos rápidos. Logo após a saída do soldado, o juiz se pronuncia.


Juiz: Acabo de saber que a segunda testemunha veio a óbito por suas próprias mãos. Encontraram o corpo pendurado em uma árvore por uma corda em seu pescoço. Faremos um intervalo para que os advogados possam se organizar para que outra testemunha se apresente, enquanto irei apurar mais detalhadamente o ocorrido. Retornamos em trinta minutos.


Saem o juiz, os advogados e o júri. Após trinta minutos, retornam todos...


Juiz: Vamos dar prosseguimento ao processo. Gostaria que chamassem a próxima testemunha.


Acusação: Vossa Excelência devido ao infeliz acontecimento, as outras testemunhas decidiram não se pronunciar quanto ao caso. Ficaram com medo de serem amaldiçoados assim como o vosso colega que faleceu.


Defesa: Protesto Vossa Excelência! De acordo com a lista de testemunhas, que fora ocultada até agora pelo meu colega advogado, que eu consegui com o auxílio de um colega que trabalha com ele, não haviam mais testemunhas a não ser o acusado e a que faleceu. Gostaria de deixar explícito a manipulação do júri pelo meu colega da acusação.


Acusação: Isso é uma falácia Excelência! Como posso provar, aqui consta a verdadeira lista com mais cinco nomes das testemunhas que pediram sigilo para com seus nomes.


Juiz: Protesto aceito. E quanto ao movimento feito pela acusação em colocar em sigilo informações vitais para o processo, evidencio o ato ilícito da mesma. Que fiquem anotados nos autos do julgamento. O júri deve levar isso em consideração ao prescrever a sentença. Sigamos com a defesa final do acusado, você tem cinco minutos para apresentar sua versão dos fatos, essa é a última chance de defesa...

*****

Todos aqui presentes me acusam de agir contra as leis dos homens e contra suas morais obsoletas. Sou acusado de atentar contra a imagem de um líder humano que é venerado como um deus. Sou julgado por promover a inclusão dos marginalizados na sociedade, pois esses ferem os “bons costumes” e o bem-estar social. Os que se consideram “cidadãos de bem” esquecem da podridão e da lama que esfregam em seus corpos todos os dias desde o levantar até o deitar. Vocês se acham os soberanos e os exemplos a serem seguidos, aqueles que dizem estar entre os seus iguais. Somos feitos em meio as desigualdades e estas são esquecidas e jogadas embaixo das suas tapeçarias finas. A todo o momento vendem imagens de personagens que fingem ser. Falsos deuses, falsos líderes, falsos profetas, falsos governos, falsas leis... Um mundo construído em falsidades, mas vendido enquanto verdades. Seus atos de (re)significarem as coisas ao redor para se sentirem melhores e realizados. Vocês são, de verdade, a escória da sociedade. Temo pelo futuro infernal que esperam por vós. E digo também, que o paraíso a vós termina apenas no desejo e no sonho, pois o mais quente inferno espera por todos.

*****

Acusado: Não tenho nada a dizer...


Juiz: Pois então, lavo minhas mãos. – voltando-se para o júri - O júri já tem uma decisão?


Representante do Júri: Sim Vossa Excelência.


Juiz: Pois leia para nós..


Júri: Diante os relatos aqui apresentados pelos advogados e pela única testemunha envolvida nesse processo, decidimos que o acusado é culpado e que deve ser condenado a morte por ferir a nossa moral e nossos bons costumes. E como prescrito pelas nossas leis, o outro condenado deve ser solto já que assim diz nossa tradição pascoal.


Juiz: Então, mediante a sentença geral do conselho hoje reunido. Jesus Nazareno, tido como o rei dos judeus será condenado a crucificação, e Barrabás, ladrão e assassino, será liberto. O Júri e a Assembleia serão dissolvidos após o bater do martelo. – bate-se o martelo – Caso encerrado.


Pilatos sai pela porta lateral do tribunal. O Júri sai pela porta oposta a de Pilatos, e do lado de fora um homem aguarda com sete sacos de moedas e entrega para cada um dos que fizeram parte do júri. Pela porta da frente saem Jesus carregando uma cruz nas costas e uma coroa de espinhos na cabeça e atrás dele soldados com chicotes e açoites lançando-os em suas costas. A trilha de sangue deixada do tribunal até o calvário, onde a crucificação ocorreu, até hoje é reforçada pelas mortes seletivas e pelas perseguições aos tidos como ameaças aos cidadãos de bem. A 2019 anos atrás foi um homem morto por representar uma classe social estigmatizada, mas que era visto como rei entre eles, pois trouxe a voz a essas pessoas. Ano passado uma mulher sofreu a mesma morte pública e exposta no calvário para lembrar, mais uma vez, que contra grandes príncipes e sacerdotes nobres, ninguém atenta. A vida de todos ainda vale 30 moedas de prata.


MARIELLE FRANCO, PRESENTE SEMPRE!





 
 
 

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© 2015 por Maurício Rosendo Leandro dos Santos.

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